Sopa Fria



Mexia a sopa no prato com uma intensidade angustiante. Ainda não estava morna. Tava muito quente. Gostava quando a sopa esfriava e o macarrão crescia. Não era tão fã de caldo, preferia a sopa mais seca. Peito de frango era o ingrediente essencial na confecção da sopa ou canja. Pelas beiradinhas ia provando as cálidas colheradas. Ainda tava quentíssima a sopa de continhas. Decidiu colocar o prato em cima da geladeira. Foi assistir televisão. Tava passando Vale a Pena Ver de Novo. Bateu aquele tédio abafado da tarde ensolarada enfurnada na casa cotidiana, comum, familiar. Esqueceu a sopa. Já tinha passado todo o capítulo igual, insosso e repetitivo da novela de dez anos atrás. E agora, qual será o estado do prato? Uma hora em cima da geladeira deve ter tido um resultado meio avassalador em relação à quentura do caldo e ao tamanho do macarrão. Foi ver. Fumaça já não havia. Nem mesmo névoa de calor. O pratão fundo, ao longe parecia normal. Chegou perto, a ponto de sentir o leve cheiro reconhecidamente confortável do frango inconfundível, como uma marca registrada. Peito de frango cozido sempre cheirava igual, uma das maravilhas da ciência culinária contemporânea. Mais perto, quase tocando. Cresceu um pouquinho. Mas o caldo ainda não tava naquela condição pastosa que tando adorava. A sopa, no entanto, já encontrava-se morna. Iria esperar mais um pouco. Talvez mais uma hora. Então ficaria perfeita. E comeria não apenas o prato, mas também o resto que estava na panela de pressão, esperando pra ser devorado com uma avidez de fim de tarde.

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