Braço Cigano



Um dia absurdo em que um monte de merda aconteceu (nem tanto). Josiberto estava andando na calçada e topou com uma barraquinha diferente. Nela vendia-se uma montoeira de salgados artesanais. A dona da barraca era muito sorridente e exibia suntuosos dentes de ouro. Falava alto e rápido. Por vezes, cuspia e a gotícula de saliva iria parar gelidamente na bochecha de Josiberto. Sentia um frio na espinha e um arrepio no ânus toda vez que isso acontecia. Ela foi mostrando a variedade de salgados. Todos vistosos, encorpados e levemente dourados. Era bonito de se ver. “Esta aqui é uma coxinha especial, este é um bolinho de queijo recheadíssimo, esta é uma bela esfirra, aquele ali é o braço cigano…” Braço cigano?! Braço cigano?! O que é isso?! Josiberto engoliu em seco. Ficou um pouco assustadiço e notou que iria ter um daqueles seus famosos ataques de ansiedade. Tremeu e criou coragem para perguntar num sussurro que mais pareceu um peido enfraquecido por um intestino velho e desgastado: “Mas, mas o que é o braço cigano?” A mulher olhou pra ele com uma cara interrogativa e depois de alguns segundos irrompeu numa gargalhada que resultou numa metralhadora de cuspe bem na cara de Josiberto. “Ha, haaaa, ha, haaa! Mas ocê não conhece não fio? É o braço cigano. O recheio é de presunto, queijo e tomate. É uma delícia, a massa é muito gostosa! É o melhor salgado assado que existe!” Ah, é tipo um enrolado de presunto e queijo, só que com outro nome, refletiu ele. “Sim, sim, hehe, me vê um então.” “É pra já!” A dona pegou o salgadão e entregou rapidamente a Josiberto. “Pode comer, é muito bom, mas cuidado que tá quente!” Com um risinho acanhado, Josiberto mordeu o braço cigano e ficou muito satisfeito com o sabor. “É bom mesmo.” “Mas, meu fio, você sabe porque chama braço cigano?” “Não.” “É uma bela história. No Domingo de Ramos, um cigano, que tinha bebido um pouco além da conta, arranjou uma briga com um nortista, bem no meio da praça. O nortista era bom de peixeira, arrancou o facão e decepou o braço esquerdo do cigano. Aí acabou a briga, mas, vendo o membro estirado ali no chão, meio aberto, com sangue pra todo lado, umas peles pra cá, outras pra lá, uns talhos bem grandes, vermelhos, sulcos profundos, pus, os anéis tilintando ao sol (as pulseiras de ouro sumiram na hora), vendo tudo isso, Seu Joaquim da padaria logo teve uma ideia pra um salgado bem caprichado. Fez o tal do braço cigano, comeu, vendeu e fez um baita sucesso! Isso foi lá por 1920.” Josiberto ficou espantado com a história da dona (que mais parecia uma professora de história do que uma vendedora de barraquinha de salgados). Terminou o salgado, pagou, despediu-se e foi embora, rumo a sua humilde casa. De madrugada, lá pelas 4 horas, sonhou com o cigano, ele tinha um sorriso perverso e maldizia Josiberto e o seu futuro. Acordou com um gosto azedo na garganta.

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