Postagens

Mostrando postagens de 2023

A Morte do Punheteiro Viajante

  Ficava dias e mais dias em viagens intermináveis. Conheceu todo o país. E um pouco da América do Sul. Mas o que gostava mais era das cidadezinhas. Ernesto Gomes Magalhães Pinto era de uma rica família tradicional paulista, uma típica quatrocentona. Seu tataravô era fazendeiro, dono de imensas plantações de café. A família tinha mansão na Avenida Paulista, prédio no Rio e o caralho a quatro. Resumindo, a fortuna não acabava nunca. Acontece que, Ernesto era um vagabundo. Nunca quis cuidar dos negócios da família e nunca quis fazer nada da vida. Gostava mesmo era de gastar a gigantesca herança que possuía. Tinha um hábito particular muito peculiar. Não era só um hábito, na verdade comandava sua vida e era o objetivo de sua existência. Amava viajar. Em ônibus ou trens. Andava pelo país inteiro. Já tinha estado em todas as cidades do estado de SP. Até em pequenas vilas e lugarejos. Sentia uma excitação tão grande no ato de viajar, que não conseguia segurar-se, precisava aliviar su

Existencialidade

  Eu queria viver de baboseira. Escrever um monte de idiotices e ganhar salário. Num jornal ou periódico qualquer. Dizer bobagens instruídas ou pedantes mesmo. Tem de monte. Esses dias eu vi um colunista andando na rua. Ninguém sabia quem era, mas eu sabia. Tava meio disfarçado, com um boné e óculos de sol, mas eu o reconheci. Ele caminhava displicentemente, como se a vida fosse uma maravilha. Olhava ao redor, tudo lhe agradava. Agradecia a mulher que lhe vendia flores. Saiu com um buquê duma floricultura. Eu vi tudo isso. Vi tudo isso porque o segui. O segui desavergonhadamente, mas ele nem se deu conta, porque anda sem medo, confiante em sua vida segura e “plena”. Será que ele daria essas flores de presente? Que flores eram? Não conheço flores, não sei dizer. Eram amarelas. Só isso posso dizer. Deviam cheirar algo nesse sentido. O que cheira amarelo? Milho? Ouro? Mijo? Sei lá... e realmente não importa. Apenas divago. Mas não vago. Sigo. Seguir é uma ação direta. Uma ação pensa

Circundando as Férias

  Mais um dia de trabalho comum e normal. Heitor cansou de pensar. Sua mente divagava sobre o fim de semana. Estava perto das férias. Planejava ir com a família para um passeio na praia. Já tinha tudo escolhido: casa, número de dias, até as refeições. Sentou-se à mesa do escritório. Sua faina era ordinária mas pagava bem. Fazia a mesma coisa todos os dias, era tudo automático. Não precisava planejar, como nas férias. O trabalho seguia num movimento peristáltico infindável. Colado na cadeira, Heitor suava, mesmo com o ar condicionado no máximo. Empapuçado de um ano que já acabava. Ano ameaçador que, no fim, revelou-se como todos os outros, acabou rapidinho. Trocava mensagens com sua esposa, animada. As crianças já estavam de folga. A vida familiar era uma beleza clichezenta e nostálgica. Até quando durariam os feriados, festinhas de aniversário e fins de semana casuais? Quanto tempo restaria até esse porta-retratos rachar e desbotar? A dúvida sempre acompanhava Heitor. Sua vida

Fluição Desbaratada

  O que escrevo agora é rudimentar e emocional. Flui livremente pelas veias grotescas do pensamento. Não há linearidade. Não há muita racionalidade. Não existe objetivo, como na vida. Tudo flui, de uma maneira ou de outra. De qualquer maneira, é preciso ter o hábito. Pra tudo é preciso ter hábito. Os planetas sempre estiveram alinhados? Mentira. Nunca estiveram. O alinhamento é uma ilusão. A existência é puro caos cósmico. Muito difícil, já dizia a minha mente. Extremamente difícil, já diz o meu cérebro, logo pela manhã. Estou cansado da prepotência do profissionalismo. O que é ser profissional? Copiar perfeitamente algum labor? Aplicar precisamente alguma especialidade? Dominar completamente algum campo do conhecimento humano? A profissão não existe propriamente, pode ser considerada mais uma fantasia do projeto chamado humanidade. Algo que só fica no papel. Ninguém respira humanidade. Ninguém come humanidade. Ninguém bebe humanidade. Ninguém sente humanidade. Agrupame

A História Original

  Mais de uma vez já me aconteceu isso, esquecer uma ideia muito boa, original, criativa. Caminhando e matutando, penso algo muito importante, como uma descoberta, ou uma invenção ousada. Deveria anotar? Não há nada aqui comigo. Problema nenhum, é só pensar várias vezes seguidas sobre o assunto, durante uns 5 minutos, impossível de esquecer. Vai nessa... No dia seguinte eu nem lembro que eu tinha criado algo em minha cabeça. Nem lembro que eu tinha refletido sobre algo na minha caminhada. Nem lembro que eu tinha formado uma célula embrionária de uma ideia astuciosa e possivelmente revolucionária no meu cérebro. No dia seguinte eu já estou caminhando novamente e matutando. Reparando na paisagem e nos sons dos passos consecutivos. Respirando a brisa do arzinho da manhã. Chego em casa, tomo um banho e ligo o aparelho de som. Deito no sofá e fecho os olhos. A música, progressiva, começa a entrelaçar imagens contíguas na minha mente. Quase durmo. Acordo quando alguém chega fazendo

Portais de Notícias

Portais de notícias. Só de pensar nisso eu já fico desanimado, deprimido. Os portais de notícias são um amontoado de sensacionalismo barato regado a imbecilidades gigantescas. Representam a falta de criatividade. São símbolos da cabeça cheia de fezes borbulhantes. Um vulcão de esgoto que jorra merda fétida, mole e quente nos olhos do leitor que se atreve a mergulhar no mar de escrotidão dos portais de notícias. Não acredito em Céu ou Inferno. Mas se existir Inferno, creio que será feito de portais de notícias. Suas torturas serão revividas dia após dia através dos eternos caça-cliques e das horripilantes matérias de entretenimento. A parte social dos tais portais é de entortar o vômito no interior das entranhas. Só babaquices colossais, monumentos da superficialidade banal retratados por vermes das profundezas dos oceanos da ignorância e da futilidade. Chamativo no mau sentido, o portal de notícias internético é uma modalidade moderna da boçalidade humana. A tecnologia sempre nos prese