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Handebol de Areia

Chego em casa de noite. Desespero. Nada pra fazer. Nada na tv. Mudo de canal freneticamente. Só avião caindo, míssil explodindo, a mesma guerra de sempre, gente morrendo a rodo e a vareio. A invencível merda habitual. Até que… Paro no canal de esportes e tá passando Campeonato Mundial de Handebol de Areia! Caraio, nem sabia que existia handebol de areia! O jogo é Brasil e Noruega. Detalhe: feminino. As jogadoras usam o mesmo traje das que jogam vôlei de praia: uma espécie de maiô apertado e arisco que, vez ou outra, se enfia no rabo da atleta; tem umas que ficam o jogo inteiro nessa situação, num tipo de fio dental improvisado; já algumas preferem puxar o teimoso tecido toda hora que ele se esconde bunda adentro. Putz, eu já gostava de assistir vôlei de praia feminino; agora, com o handebol a situação é bem melhor. No vôlei são só duas jogadoras em cada time; no handebol são cinco! Puta delícia! A melhor experiência esportiva que tive em anos. A seleção do Brasil se esgoelando contra a

PF

O prato preferido de Petrônio era arroz, feijão, tirinhas de bacon fritas, linguiça de pernil assada, ovo frito mole, macarrão alho e óleo, brócolis, carne moída com batatas, medalhões de frango e quiabo. Chegou em um restaurante e fez o pedido. O garçom olhou no cardápio e disse que não poderia juntar tudo isso num prato só. Petrônio ficou vermelho de raiva e berrou que queria o prato imediatamente. O garçom repetiu a mesma ladainha. Petrônio, então, pegou o garfo e enterrou em sua própria mão esquerda. O garçom ficou pasmo. Petrônio olhou para todas as pessoas das mesas em volta e proferiu estas palavras: Aquele que não me serve o meu prato favorito, deixando de lado as regras da boa cortesia gastronômica, deve derreter em cinco segundos. O garçom olhou em volta sem entender nada e começou a lentamente derreter. Petrônio saiu sem pagar a conta (de uma coca de garrafinha de vidro de 290 ml).

Dia de Compra

A atitude da balconista fez Petrônio perder a cabeça. Ele estava olhando um produto na prateleira de uma loja. Era um vaso de plástico. Feito para colocar flores. Petrônio olhou o vaso por trinta e sete minutos. A balconista, depois de todo esse tempo, disse: Ou compra ou não compra! Petrônio teve um choque ao ouvir tal frase ao pé do seu ouvido. Seu corpo teve um tremelique. Soltou um peido. Freou levemente a cueca. A balconista, sentada num banquinho almofadado, olhou para sua cara em convulsão. Petrônio torcia o rosto em uma careta sanguinária. Babava um pouquinho e soltava ganidinhos intimidadores. Ela foi logo ficando assustada: Está tudo bem com o senhor? Petrônio deu três pulos bem altos. Apertou o saco com a mão esquerda e coçou a bunda bem forte com a mão direita, quase enterrando o dedo indicador no cu. A mulher ficou ainda mais assustada. Perguntou: O senhor está tendo um ataque epilético? Petrônio respondeu: Não! Estou fican

Dia Normal

A s calçadas transbordavam de gente. Estava frio, mas aquela multidão enfiada em roupas quentes dava a sensação de abafamento e opressão. Petrônio começou a ficar tenso. Apesar do vento gélido, sua testa suava em profusão. As rugas de sua fronte formavam pequenas poças horizontais suspensas que vazavam em gotas quentes e viscosas. Suas extensas sobrancelhas estavam encharcadas. Pelo menos, o suor ainda não tinha chegado aos seus olhos. Por outro lado, seu nariz era como um tobogã molhado e escorregadio. Da ponta de seu nariz caía uma fina corrente de água salgada. Gotículas chuviscavam em seus lábios, à medida em que ele chacoalhava a cabeça para afastar o suadouro, salgando sua boca e lhe dando um aspecto de náufrago rejeitado. Estava assim, a chacoalhar o coco, quando um velhinho aproximou-se dele e perguntou-lhe se, por um acaso, ele não tinha uma moeda. Petrônio notou que o velho estava com as roupas puídas e exalava um leve aroma com teor de cachaça. Deu-lhe uma moeda de 50 centa

Mortadela Fresca

Um belo pão com mortadela é, comprovadamente, uma obra de arte. Ganha de qualquer trabalho exposto em qualquer bienal da vida. Mortadela fresca. Fatiada finamente. Muita mortadela de recheio. Pão bom, do tipo filão, francês. Crocante, com miolo de nuvens macias. O miolo deve ser sempre um aperitivo antes de rechear o pão. Mordida estrondosa. Essa sim. Que faz barulho retumbante e produz faíscas brilhantes de migalhas de cascas reluzentes do tão amado fruto da padaria. Só mortadela. Não precisa colocar queijo nem enfiar manteiga. Não precisa passar maionese nem profanar com ketchup (pelo amor da puta que pariu!) Não precisa de nada disso. Não coma amendoim antes. Não faz sentido. Se quiser, tome cerveja. Se não quiser, faça o que der na telha. Não passe creme de repolho na mortadela, não combina. Não reze antes de comer um pão com mortadela. Não pense em esportes coletivos. O negócio tem que ser um ritual. Acenda uma vela, coloque um disco do padre Antonio Maria no seu toca

Index

O indício estava no Oceano Índico. Os indianos das Índias Ocidentais ficaram indignados ao verem seus compatriotas serem tratados como indigentes. Os detentores da informação indelegavelmente afirmaram que as mortes foram indolores, mas a dor dos familiares é indizível. O prazo para o parecer é indeterminado. A indolência das autoridades induziu as pessoas à inúmeras indagações sobre os possíveis resultados da indiscutível falta de independência na apuração dos fatos, que são indeléveis. O primeiro item do índice de demandas dos manifestantes é a cobrança de atitudes da companhia aérea Indonesian Airlines para que o caso não seja tratado com indulgência. As causas do incidente continuam indefinidas. O porquê é indecifrável. Os magistrados ainda estão indecisos quanto à magnitude devastadora do ocorrido, que é indivisível. Segundo os parentes dos mortos, o assunto está sendo tratado de forma indecorosa. Uma revogação é indesejada por todos. O processo continua indeferido.

Queijo Derretido

Queijo derretido é uma beleza. Sempre gostei. Camadas e mais camadas de queijo derretido habitam os meus sonhos mais selvagens. Quando você morde uma pizza e aquele fino fio de queijo derretido cai pendurado da massa e vai alojar-se em seu queixo, você dá uma balançadinha de cabeça e o fio se parte destruindo o elo entre o seu queixo e a fatia de pizza. Quando vejo uma pizza bem feita, com queijo escorrendo por todos os lados. Pra mim, isso é uma visão do céu. Jesus devia gostar de pizza, tenho certeza (se existisse na época dele. Se bem que os romanos já faziam um pão achatado e redondo com azeitonas que pode-se ter como o ancestral da pizza). Deus deve ter uma pizzaria celestial. O Diabo é o pizzaiolo e faz questão de inventar as pizzas mais deliciosas e ousadas. O forno, à lenha, fica no inferno. A massa é feita de pecados. O queijo é feito de desejos ilícitos. E o molho é feito do sangue da paixão.

Passeio

Andando de bicicleta pela estradinha de terra. Já fazia meia hora desde que deixou sua casa. O objetivo era a cidade mais próxima, distante por mais ou menos 7 quilômetros. A rota exigia prática e afinco. Estava acostumado ao esforço do exercício. Fazia anos que estava familiarizado com esse que era seu esporte predileto. Além do esforço físico, havia o bem-estar cravado na ideia de uma meta a ser alcançada com o término da viagem. Término que só se dava quando a volta era concluída. O meio era a melhor parte da jornada: quando chegava à cidade vizinha. Dava umas voltas pelo pequeno povoado habitado por seres falantes e ativos em seus afazeres diários, perambulando pelas ruas estreitas e planas. Grupos de pessoas em cada esquina. Círculos unidos pela história do dia; pela novidade irresistível. Passava por esse cenário peculiar. Era incrível, cidades vizinhas, tão perto uma da outra, mas com uma atmosfera completamente diferente. O ar era outro. Devia ser impressão, não sei, mas e

Nuggebresa

O homem estava afobado. Tinha pedido uma pizza que não chegava nunca. Até que ela finalmente chegou depois de uma hora e meia de ansiedade e tensão. Babava como cachorro velho. Suava, tava calor pra caraio! De pijama, sem camisa, foi receber a entrega no portãozinho de casa. O entregador ficou meio pasmo e assustado ao perceber o estado de seu cliente, barbudo, sujo, desgrenhado e com um olhar ensandecido e vago ao mesmo tempo. Grunhiu um boa noite e pagou a pizza. Fechou a porta e abriu a caixa redonda, comendo em seguida o primeiro pedaço, sem ao menos ver o alimento em si. Enfiou tudo na boca quase engolindo sua própria mão numa fúria desregrada e pitoresca. Seus dedos ficaram lambuzados e com anéis de cebola caindo pra todo lado. Suas unhas estavam entupidas com resquícios de calabresa esmagada. No momento da primeira mordida, algumas fatias de calabresa caíram em seu pé descalço. Sentia uma leve ardência por entre os dedos engordurados. Calabresa na frieira. Que se foda! Agora o

Bolo

O bolo. Nada pode definir seu conceito. De laranja, de fubá, de chocolate, de café. Existem muitos tipos. Com o cafezinho é a combinação perfeita, o acontecimento! Como se os asteroides, estrelas, anãs brancas e buracos negros do Universo se convergissem num só objetivo: fazer daquele o momento ideal, o porquê da Criação. Qual é a origem do bolo? Não se sabe. Diz-se a mesma coisa do Universo. O máximo que se pode especular é que o bolo provém de uma mistura, uma liga. Um momento de união, da farinha, do ovo, do fermento. A massa se amassa com violência e forma o produto. Constrói-se então o mundo da mesa do café (da tarde ou da manhã). A ideia do bolo nos remete ao infinto. Tudo pode ser criado, destruído e recriado continuamente. Com todas as formas e fôrmas possíveis. O bolo representa a continuação, o renascimento e a indestrutibilidade do Universo. Não é à toa que ele é o principal elemento nas comemorações de aniversário. A inventividade do ser humano é resultado direto do

Nervos à Flor do Rabo

Josualdo está nervoso. Não existe um dia em que ele não esteja nervoso. Todos os dias ele está nervoso. O dia todo, nervoso. A vida é feita de nervosismo. Ele anda nervoso, come nervoso, pensa nervoso, caga nervoso, trepa nervoso, respira nervoso. Sua rotina é feita de nervos embramados, confusos, desgastados… nervosos. Não existe paz alguma. É uma ilusão. O nervo é poderoso. Pode criar e destruir. Foi dormir pensando nos seus nervos. Sonhou com um nervo gigante que engolia uma cidade inteira. A cidade caía num estômago imenso e tomado por uma azia catastrófica. A multidão nadava e derretia lentamente no oceano de ácido clorídrico. Depois, tudo virava merda. Acordou molhado e nervoso. Foi mijar e errou a privada. Acertou o tapete do chão do banheiro. Chorou de raiva. Ia ter que lavar aquela merda de mijo. Saiu do banheiro. Desceu as escadas internas do seu sobrado espaçoso e requintado à moda antiga. Foi tomar o café da manhã. Fez café. Seus nervos estavam em migalhas. Sua vista,

Auto Controle

Puta barulho filho da puta que tava fazendo no carro! Não sabia o que era. O escapamento tava ronronando. Será que era vela? Não fazia ideia. Uma angústia de sofrimento antecipado já tomava-o por inteiro. Teria que levar o carro pra oficina. O problema é que era sexta. Só iria pra casa de noite. Não tinha mais nenhuma oficina aberta. Do trabalho pra casa dava 15 quilômetros. E se o motor fundisse no meio da estrada? O pânico interior só aumentava à medida que pensamentos intrusivos e obscuros penetravam sua mente numa orgia desenfreada de paranoia e terror. Depois, se conseguisse chegar em casa (caso o carro aguentasse heroicamente a viagem de volta), teria que levar o carro pra oficina no dia seguinte, que era sábado. De sábado abrem várias oficinas. Geralmente de manhã. Teria que acordar cedo. Mais uma onda de temor gela suas veias. Sim, acordar cedo. Tentar não dormir tão tarde, e criar coragem de manhã. Talvez tomar um banho logo na hora em que acordar. Sim, e ir direto pra oficina

O Presunto e o Queijo

O presunto e o queijo. A maior história de amor da gastronomia exacerbada. Um serve de cobertor para o outro. Enrolam-se. Unem-se. Desfiam-se e entrelaçam-se. Fria ou quente, a dupla é invencível. Com mussarela, prato, meia-cura fatiado, padrão, etc… o presunto entende-se com todos os tipos. Presunto e queijo no pãozinho francês, de forma, no de hambúrguer e até no de cachorro-quente! Vai da bisnaguinha à bengala; do salgado assado ao mais formoso sanduíche; da torta ao rissole; da pizza ao pastel; do macarrão ao arroz de forno; da lasanha ao canelone. Essa porra é perfeita! Misto quente ou frio. Já tô me repetindo! Não dá pra não repetir-se com um assunto tão apaixonante! A junção de tais frios é uma das conquistas da humanidade. Deus casou o presunto e o queijo. O Diabo cuidou das núpcias e foi o primeiro a derreter ambos na fornalha infernal. Jesus nunca provou dessa iguaria. Não haviam chegado tais ingredientes nas imediações do Oriente Médio àquela época. Se tivesse provado, não t

Braço Cigano

Um dia absurdo em que um monte de merda aconteceu (nem tanto). Josiberto estava andando na calçada e topou com uma barraquinha diferente. Nela vendia-se uma montoeira de salgados artesanais. A dona da barraca era muito sorridente e exibia suntuosos dentes de ouro. Falava alto e rápido. Por vezes, cuspia e a gotícula de saliva iria parar gelidamente na bochecha de Josiberto. Sentia um frio na espinha e um arrepio no ânus toda vez que isso acontecia. Ela foi mostrando a variedade de salgados. Todos vistosos, encorpados e levemente dourados. Era bonito de se ver. “Esta aqui é uma coxinha especial, este é um bolinho de queijo recheadíssimo, esta é uma bela esfirra, aquele ali é o braço cigano…” Braço cigano?! Braço cigano?! O que é isso?! Josiberto engoliu em seco. Ficou um pouco assustadiço e notou que iria ter um daqueles seus famosos ataques de ansiedade. Tremeu e criou coragem para perguntar num sussurro que mais pareceu um peido enfraquecido por um intestino velho e desgastado: “Mas,

A Teta da Panceta

Passou a noite acordado. Já era umas oito da manhã quando pensou no que comer pro café. Desceu no supermercado. Pegou uns pães, mussarela. Foi pra parte das carnes. Linguiça, presunto, bife… não. Pedia outra coisa. Viu uma panceta, brilhando como o ouro das minas do Rei Salomão. Tava muito bonita. Pegou. Chegou em casa, tirou os pães do saco, o queijo do papel e foi desembalar a panceta. O que?! Não tinha visto antes, foi só virá-la e do outro lado viu uma coisa que o surpreendeu. Tinha uma teta! Uma teta na panceta! Uma tetinha pequenina, mas uma teta mesmo. Caraio, uma mama na panceta! OK, vamo botá na frigideira e vê no que é que dá! Fritou a pancetinha tetuda, tacou queijo em cima, colocou no pão e foi comer na frente da televisão. Tava bom pra caraio, gorduroso que nem o inferno! Gotinhas de óleo pingavam pela barba por fazer de nosso herói glutão. Comeu três sanduíches, o último foi o da teta. Era meio borrachenta, mas nada de extraordinário. O gosto era normal e procurou encarar

Omelete com Carne Moída

Carne moída e omelete. Nunca havia pensado nessa combinação antes. Comi hoje. Num marmitex. Tava bom. Carne moída com legumes. Omelete com ricota. Taí outra combinação que eu não imaginava, nunca havia me passado pela cabeça. Isso mostra que as combinações podem ser infinitas. Mistura. Arroz, feijão. Creme de milho é bom também. Filé de frango à milanesa pode ser considerado o melhor de todos. Gosto muito de um canelone aos quatro queijos também. Me incita uma farofa. Me regala uma torta de frango. Me assusta não fazerem mais pizzas como antigamente.

Salsicha com Molho e Ovo

Salsicha ao molho e arroz e feijão. Bom pra caramba. Adoro essa bela combinação. Muitas vezes, acrescentam-se alguns ovos. As salsichas, picadas, flutuam ao lado dos ovos inchados, prósperos e implodidos no suave lago do invencível sumo do tomate. Nestes dias de frio não há nada melhor do que essa mistura. O molho quente cai no estômago como um elixir que cura as dores da alma e da fome. Isso é real.

Feijoada de 1956

A feijoada não pode ser aguada. Ele tem que ser encorpada. Paio, linguiça, couro, carne seca, costelinha, orelha, joelho, rabo. Tem que ser encorpada. É raro encontrar uma feijoada encorpada. A generalizada está em voga. Não fazem mais feijoadas como as de 1956. Lembro-me de uma vez em que comi uma feijoada em 1956. Encorpada. Espessa. Duma cremosidade ímpar. Fumegante. Numa panela gigante. As pessoas fungavam em volta do caldeirão. Olhos lacrimejavam-se. Mentes enchiam-se de desejo e fúria por um prato imediato. Bocas molhavam-se com saliva excitada. A fala acabou. Não há conversa. Apenas contentamento.

A História do Estrogonofe

A mulher estava cozinhando uma carne picada na panela. Chega o marido bêbado e vomita na panela. A mulher então berra: Estragô Onofre! Filho duma égua! Estragô Onofre! O vizinho ouviu e anotou num papelzinho. Mais tarde, patenteou.

Solão

O dia estava ensolarado. Juvenal andava sorrindo. A calçada brilhava ardentemente e os dentes de Juvenal pareciam lampadazinhas fluorescentes, cintilantes e alvas como as almas albinas dos mártires mortos pelos romanos no verão de 65. Tudo na rua parecia resumir-se em tranquilidade e sobriedade. Tanta normalidade que até doía! Alguns carros passavam flutuando no asfalto negro e fervorento que soltava finas fumacinhas capazes de entortar a vista do observador atento e preguiçoso. O transcorrimento era perfeito! A vida ia e vinha, indo e vindo sem cansar, sem enjoar, parecia drogada. O meio-dia encontrava-se com o meio-fio numa explosão de luz, calor e odor fumacento. Insetos não aguentavam ficar no chão, simplesmente pulavam para o alto tentando escapar do inferno cinza que chamuscava suas patinhas minúsculas. Juvenal continuava a sua senda, assoviava e assoprava o ar que passava por baixo de sua língua criando uma sensação de frescor e fazendo cócegas. Isso fazia ele arrepiar, no bom s

Bronheta

Na sexta, Joaquinzinho já estava meio cansado. De férias escolares, ele não tinha nada pra fazer, só batia punheta. No primeiro dia sem aula, pensou em jogar bola. Não encontrou nenhum amigo. Ficou assistindo novelinha da tarde no canal de televisão sem graça. Tinha umas gostosa… bronha. Intervalo, comercial de sabão em pó… bronha. Filme de cachorro… bronha. Desligou a tv, não aguentava mais. Deitou na cama no escuro. Começou a rezar. Ave Maria, cheia de … bronha. Porra (literalmente), virou uma obsessão. Da janela do quarto, que ficava no terceiro andar, observou a rua. Fim de tarde, um monte de gente voltando pra casa, só muié de sacola, sacolejando… bronha. Já tinha sido umas cinco, que dia perdido (ou proveitoso?)! De qualquer forma era um treinamento. Um treinamento natural. O que regeria sua vida adulta. O manual de instruções interno e eterno. Todo macaco descascava banana. Evolução, pensou Joaquinzinho e partiu pra sexta sem imaginar nada, punheta in loco no vácuo mental. O pri

Pau no Cu de Deus

Penso em Deus todos os dias. Deus pra lá, Deus pra cá. O que faria Deus em tal situação? Qual seria a opinião de Deus sobre tal assunto? Qual é a cara de Deus? Deus pode assumir todas as formas? Um cabrito; um leitão; um gafanhoto; um pedaço de merda; uma gostosa besuntada, de quatro? Fiquei pensando nesta última. Seria ético, moral, imoral, certo, errado ou politicamente incorreto eu ficar de pau duro pensando em Deus? Eu, um crente! Se Deus fosse essa gostosa besuntada esperando pra levar uma pintada, será que seria justa, pelo menos, uma punheta? Comer Deus de quatro? Um boquete de Deus? Enfiar o pau no cu de Deus? Gozar na cara de Deus? Será que se eu ao menos imaginasse tal façanha, será que meu pinto iria cair? Ou explodir? Ou dividir-se ao meio em duas fatias, numa rasgada só, e elas saíssem voando como duas asas e colassem nas minhas bochechas, debochando assim do meu ato de insubordinação divina? Provavelmente não. Decidi, então, bater uma bronha pensando em Deus. Já que

Morte Repetitiva

Eu já vi tanta gente morrer. Digo, em vídeo, ou gente morta em fotos. Não é que eu goste. Veja bem, tenho um problema que nunca encontrei em outra pessoa que conheço. Sofro de uma espécie de comportamento obsessivo, mas a minha obsessão incontrolável é a de ver pessoas morrendo ou já mortas. Deve ser uma ramificação, sub-gênero, derivação ou evolução do transtorno obsessivo-compulsivo, resultante da era da internet, em que é tão fácil ver alguém morrer quanto é fácil ver alguém meter. Se eu gostasse pelo menos… O problema é que sou muito sensível e guardo as coisas na cabeça. Ao ver a foto de um defunto acidentado, preciso revê-la repetidamente, até meu cérebro ficar em paz, senão ele para, trava; é um tipo de máquina, cujas engrenagens funcionam à base de um combustível composto da visão do sangue. Se é o vídeo de alguém morrendo, também preciso ver e rever várias vezes, com medo que aconteça comigo, com alguém que conheço ou por uma estranha solidariedade à própria pessoa desafortuna

Vida Rebobinada

Tá um sol de rachar, pensa Jambrósio ao olhar pela janela da biblioteca. Vou sair pra almoçar. Entra no carro, que ferve e solta fumaça ao abrir a porta. Liga. Sai com o seu veículo popular velho e cheio de problemas, como ele mesmo. O trânsito é infernal. Cada pessoa dentro de seu mundinho particular. Alguns roendo unha. Outros suando com a mão no volante. Tem até uns que vasculham desesperadamente seus celulares à procura de algum significado pra suas vidas de merda. O sinal abre e dispara a sinfonia ensurdecedora. O ar, fumacento. O asfalto treme aos olhos. Puta calor! Jambrósio estaciona numa vaga do supermercado que tem um restaurantezinho no andar de cima. Pega a fila pro quilo. Faz seu prato e vai sentar sozinho numa mesinha de canto. Olha para a quantidade de comida que não justifica o preço caro. O gosto também não. Acabado o almoço, ele enfrenta novamente a batalha quente e barulhenta do tráfego. Chega novamente na biblioteca, da qual é funcionário. Repete essa rotina todos o

Putas e Filhos da Puta

Cada dia se pensa mais. Cada dia vale menos a pena. Nada vale nada. É tudo oco, sem sentido algum (inclusive este texto de merda). O único objetivo de um ser humano sensato é a procura pelo caminho mais fácil de sua própria extinção. O sofrimento é inútil. Depois de refletir muito, o ser humano chegou à conclusão de que só existem dois tipos de pessoas: as putas e os filhos da puta. As mulheres: putas. Os homens: filhos da puta. É um ciclo interminável. Ele próprio se diz um filho da puta, já que só existem duas categorias. Todos simplificam o mundo, portanto ele acha-se no direito de também fazê-lo. Tudo fica mais fácil. Putas e filhos da puta. Extingue-se a compaixão por qualquer ser (inclusive ele mesmo). Putas e filhos da puta. Uma bela filosofia. Simples, direta e… verdadeira. Afinal, a verdade é só uma ideia, uma palavra. Putas e filhos da puta. Somos todos putas e filhos da puta. É ótimo, é cômodo. Taí, o ser humano convence-se. Taí, convicção, esta é a palavra. Não precisa esta

Sopa Fria

Mexia a sopa no prato com uma intensidade angustiante. Ainda não estava morna. Tava muito quente. Gostava quando a sopa esfriava e o macarrão crescia. Não era tão fã de caldo, preferia a sopa mais seca. Peito de frango era o ingrediente essencial na confecção da sopa ou canja. Pelas beiradinhas ia provando as cálidas colheradas. Ainda tava quentíssima a sopa de continhas. Decidiu colocar o prato em cima da geladeira. Foi assistir televisão. Tava passando Vale a Pena Ver de Novo. Bateu aquele tédio abafado da tarde ensolarada enfurnada na casa cotidiana, comum, familiar. Esqueceu a sopa. Já tinha passado todo o capítulo igual, insosso e repetitivo da novela de dez anos atrás. E agora, qual será o estado do prato? Uma hora em cima da geladeira deve ter tido um resultado meio avassalador em relação à quentura do caldo e ao tamanho do macarrão. Foi ver. Fumaça já não havia. Nem mesmo névoa de calor. O pratão fundo, ao longe parecia normal. Chegou perto, a ponto de sentir o leve cheiro