Solão



O dia estava ensolarado. Juvenal andava sorrindo. A calçada brilhava ardentemente e os dentes de Juvenal pareciam lampadazinhas fluorescentes, cintilantes e alvas como as almas albinas dos mártires mortos pelos romanos no verão de 65. Tudo na rua parecia resumir-se em tranquilidade e sobriedade. Tanta normalidade que até doía! Alguns carros passavam flutuando no asfalto negro e fervorento que soltava finas fumacinhas capazes de entortar a vista do observador atento e preguiçoso. O transcorrimento era perfeito! A vida ia e vinha, indo e vindo sem cansar, sem enjoar, parecia drogada. O meio-dia encontrava-se com o meio-fio numa explosão de luz, calor e odor fumacento. Insetos não aguentavam ficar no chão, simplesmente pulavam para o alto tentando escapar do inferno cinza que chamuscava suas patinhas minúsculas. Juvenal continuava a sua senda, assoviava e assoprava o ar que passava por baixo de sua língua criando uma sensação de frescor e fazendo cócegas. Isso fazia ele arrepiar, no bom sentido. Quase ninguém na rua, apenas uns velhos que saíam pra passear com os cachorros linguarudos, balançantes, arquejantes e babantes. Os burburinhos ou eram de moscas ou de abelhas. Dava pra ouvir o voo do passarinho longínquo, que parecia miragem. Dentro dos lares: os almoços começavam, as bundas sentavam, as bocas bocejavam e abriam-se para não cessarem de tagarelar até o outro dia; gases diversos, alguns reprimidos, outros não; garfalheira e facangueira destrinchando o frango; macarrão à beça; molho transbordante; maionese harmoniosa; refrigerante na geladeira. Tudo isso era familiar a Juvenal. Estava acostumado aos domingos, até acordava cedo. Por todas essas razões, andava seguro de si e confiantemente arfava com o peito, executando uma pequena dança representante do triunfo plenamente individual, engolfado em si mesmo. Faltava pouco pra chegar em casa, a volta terminaria em questão de minuto. Um barulhinho de trinta segundos atrás foi tornando-se um barulhão contínuo e crescente. Um zunido, como de bomba. Congelado, Juvenal esperou a explosão. Mas não houve explosão, houve sim um splat! Um som curto, estalante, estatelante, empastelante, como um tapa gigante! Doeu no ouvido. Era uma águia dourada de cabeça chata, que agora estava espatifada, ensanguentada, despedaçada e achatada no chão da calçada. Metros e metros de um vermelho vivo refletiam a incandescência fulgurante do solão no calçamento. Domingueira, pensou Juvenal.

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