Lanche Alucinado



Pediu um lanche. Ia demorar. O trailer era popular. As pessoas acotovelavam-se na frente da mulher que anotava os pedidos. Anotava em um computador. O estabelecimento foi de um carrinho velho de cachorro-quente para um trailer comprido, moderno e vistoso; com tv, dvd, computador, duas chapas e todo o cardápio pintado na lateral em letras garrafais e lustrosas. A espera era de, no mínimo, 20 minutos. Tinha umas cadeiras de plástico na calçada, nas quais os clientes sentavam e assistiam ao último dvd serta-brega da moda. O ar estava ficando gelado. Era melhor ficar na primeira cadeira, que ficava bem do lado da chapa. Lá estava mais quente e o cheiro do bacon era estarrecedor. Molhava as narinas e dava uma sensação de conforto inexplicável. 10 minutos, já tava na quarta música do show maldito, brilhante e colorido que infestava a tela da pequena tv plana de 17 polegadas que flutuava bem em cima da cabeça da atendente magricela que tinha cara de pão amanhecido e entristecido. A mulher que fritava os lanches era gordinha e jeitosa. Dançava elegantemente, movimentando aqueles bracinhos ágeis; redondos e rosados; suculentos e sensuais; apetitosos e atraentes. Pegava uma tira de bacon e já jogava-a na chapa de uma maneira tão natural que era hipnotizante. Separava fatias intermináveis de queijo com uma rapidez incalculável. Era mestra no ofício. Vez por outra, comia um pedacículo de bacon, num movimento tão veloz que era quase impossível de enxergar a olho nu. Era preciso ficar com o olhar estacado entre a mão hábil e gorducha e os pedacinhos de bacon que ficavam dispostos em um monte disforme no canto da chapa. Ela percebeu que ele olhava-a e deu um risinho hospitaleiro. Ele retribuiu o sorriso e desviou o olhar para o megashow encenado pela dupla sertaneja de roupa fashion e cabelo arrepiado. 20 minutos. Ainda não tava pronto. Havia pedido um x-fomera, que tinha um monte de coisa, inclusive bacon. 25 minutos. Pronto! Deve ter valido a pena esperar. Vamos ver. Era pra viagem. Pegou o embrulho que levaria pra casa. Estava pesado, cheio e levemente umedecido. O cheiro era de êxtase. Não via a hora de chegar em casa pra destruir o sanduíche numa fúria lasciva. Salivava. Enquanto dirigia, não parava de olhar para o pacote no banco do passageiro. Precisou controlar-se para não possuir de imediato o lanche indefeso, imóvel e farto. Poderia causar um acidente. Suas mãos engorduradas não conseguiriam manter a direção ao mesmo tempo em que apertariam freneticamente o pobre hambúrguer estrangulado; seu olhar de besta ensandecida não veria o outro carro, o poste, a pessoa ou o cachorro. Bateria de frente, num frenesi de gozo, maionese e sangue, matando o transeunte/motorista instantaneamente! Seria preso por homicídio doloso embasado na sua aparente embriaguez. Afinal, estaria embriagado, não por álcool, mas pelo suave aroma reconfortante do bacon sendo mordido vorazmente por sua boca espumante e ávida por lanche. Era melhor esperar chegar em casa. Lá, abriria o embrulho; cortaria o lanche em dois; colocaria num prato; ligaria a televisão. Enfim, degustaria o hambúrguer sem nenhum compromisso, sem nenhuma distração a não ser a merda aleatória passando na tv.

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