Enrolado de Rodoviária



Mais uma vez o enrolado é olhado. Jeremias passou novamente na frente do balcão. Os salgados estão ali, dispostos um do lado do outro dentro da incubadora térmica de vidro transparente. O vidro encontra-se levemente embaçado. Sinal convidativo de que os salgados estão quentes e frescos. Ele passa de novo ali. O ônibus vai demorar ainda uns quinze minutos pra sair. Dá tempo de comer um salgado. Os salgados de rodoviária estão entre os melhores da categoria. Rodoviárias, geralmente, têm boas cantinas e lanchonetes. É meio caro, mas vale a pena. Jeremias repete a olhada fatal e decisiva para o enrolado de presunto e queijo. Não dá pra segurar, a fome apertou. Vou comer essa porra logo, pensou avidamente. Dirigiu-se ao balcão. Um enrolado de presunto e queijo, por favor. Pegou. Apertou. Era firme, consistente e estava fervendo. O tamanho era bom. Parecia ser bem recheado. Apertou de novo. Agora, o teste final. A mordida. Mordeu, queimou um pouquinho a boca. O negócio tava fumegando, parecia proveniente das labaredas infernais do forno de Satã. Bom. O gosto era magnífico! Muito bom. Até esqueceu a merda do ônibus e a porra da viagem. Pelo buraco da mordidela pôde ver o recheio farto e delicioso. Como será que faziam um bagulho bom desse? Pra vender; pra qualquer desalmado filho da puta que tá viajando no inferno de qualquer feriado maldito; pra qualquer bêbado que encheu a cara no boteco podre do lado da rodoviária e que depois despeja o seu conteúdo na pia do banheiro público ou na cadeira de espera mesmo. Quem será que faz esse alimento tão bem acabado e tão saboroso? Deve ser uma mulher com mãos de deusa. Tipo uma tia, ou vó ou mãe mesmo. Homem não deve ser. O salgado não seria gostoso, macio, delicadamente temperado e generosamente recheado assim. Seria duro, seco e sem recheio, se feito por mãos masculinas. Os homens só fazem pra vender; já uma mulher que sabe cozinhar, faz pra alimentar mesmo, como se fosse um ato de caridade ou compaixão. Jeremias não queria imaginar um homem fazendo o salgado. Enrolando o presunto e queijo com suas mãozorras de marmanjo filho da puta. Deixe pra lá, é melhor não pensar em nada. A merda do ônibus já deve tá chegando pra sair. Puta salgado bom! Depois de aproximadamente dez mordidas, o enrolado foi devorado. Iria ser digerido na viagem, ao som de conversas alheias, choro de criança e gente falando merda até não poder mais.

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