Dia Normal



A
s calçadas transbordavam de gente. Estava frio, mas aquela multidão enfiada em roupas quentes dava a sensação de abafamento e opressão. Petrônio começou a ficar tenso. Apesar do vento gélido, sua testa suava em profusão. As rugas de sua fronte formavam pequenas poças horizontais suspensas que vazavam em gotas quentes e viscosas. Suas extensas sobrancelhas estavam encharcadas. Pelo menos, o suor ainda não tinha chegado aos seus olhos. Por outro lado, seu nariz era como um tobogã molhado e escorregadio. Da ponta de seu nariz caía uma fina corrente de água salgada. Gotículas chuviscavam em seus lábios, à medida em que ele chacoalhava a cabeça para afastar o suadouro, salgando sua boca e lhe dando um aspecto de náufrago rejeitado. Estava assim, a chacoalhar o coco, quando um velhinho aproximou-se dele e perguntou-lhe se, por um acaso, ele não tinha uma moeda. Petrônio notou que o velho estava com as roupas puídas e exalava um leve aroma com teor de cachaça. Deu-lhe uma moeda de 50 centavos. O homem agradeceu-o. Virou-lhe as costas e partiu. Petrônio não pôde deixar de reparar na nuca do pobre homem. Tinha um corte que ia da base até o topo da parte de trás da cabeça. O velho era careca. O corte estava fresco e devia ter sido costurado no dia anterior. Uns 10 pontos, pelo menos. “Acho que ele deve ter caído e batido a nuca no concreto. Provavelmente.” Ficou pensando nisso até que, distraído, colidiu com uma senhora que caminhava apressadamente. A mulher proferiu alguns impropérios e meteu o dedo, duro, no meio das costelas de Petrônio, que curvou-se numa expressão de dor e incredulidade. Ela foi embora. Continuou o seu caminho. Ele ficou ajoelhado no chão, chorando e com raiva do Universo. Aquilo não podia ficar assim. Teria que fazer alguma coisa. Decidiu ir ao cinema. Entrou no Shopping. Subiu a escada rolante. Comprou um ingresso para a próxima sessão. Era uma comédia americana. Ficou com dor de barriga. Cagou na calça. Não ligou. Ficou alguns minutos na fila; as pessoas olhavam-no estranhamente. Não se importou. Quando o filme começou, foi para a frente da tela e abaixou as calças. Tirou-as e jogou num casal que estava na primeira fileira. A mulher gritou, o cara estagnou. Também tirou a cueca, cheia de merda. Ergueu-a acima da cabeça; balançou-a e ficou girando-a com sua mão direita, como uma hélice de helicóptero, frenética e imprevisível. Toletes de merda voaram. Alguns atingiram a tela. Outros, as pessoas. Um homem berrou e engoliu bosta. Tudo durou muito pouco. Uns 30 segundos, mais ou menos. Então, Petrônio saiu correndo pela saída de emergência. Praticamente pelado. Ninguém o deteu. Conseguiu chegar em casa, correndo pelas beiradas. O fim de um dia chato.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Portais de Notícias

Fluição Desbaratada

A Morte do Punheteiro Viajante