Smartphone of Death



Crentinaldo adorava o seu smartphone. Vivia o tempo todo olhando para a telinha translúcida e brilhante. Não levantava o pescoço. Já tinha criado até uma dobrinha especial bem embaixo do queixo, a chamada “papada instagram”. Não desgrudava mesmo. Tudo que era notícia, atualização de perfil social, vídeo do youtube. Nada disso escapava a Crentinaldo. A vida pelo smartphone era bela e azulzinha. Curtia, compartilhava e comentava a esmo. No trabalho, na faculdade, na igreja, na lanchonete, na boate… lá estava Crentinaldo e seu inseparável smartphone colado na palma de sua mão esquerda. Acordava e já pegava o tal aparelhinho que repousava todas as noites no criado-mudo ao lado de sua cama. Tomava o café da manhã antenado com o que acontecia no mundo virtual. Assistia tv em companhia de seu fiel smartinho. Tuitava respostas imediatas à polêmica da semana. Era adepto de uma causa por dia. Gostava de ajudar. Mesmo se fosse pela internet, sem nem conhecer o tema, assunto, mobilização… só na teoria. Crentinaldo era uma cidadão moderno, globalizado. Sentia-se muito bem ao perceber que não estava sozinho no mundo, era amparado por milhares ou até milhões de pessoas que amavam-se mutuamente em prol de uma humanidade mais unida e conectada. Tudo era perfeito na tela azul. Todo mundo era bom. Quanta gente boa! Que mundo bonito e digno! Na rua, andava sem olhar para a frente. Cabeça levemente inclinada. Smartphone tinindo. Uma curtidinha e … o caminhão passou por cima. Não deu tempo de frear. Entre as rodas, Crentinaldo encontrava-se em pedaços. Seu smartphone, sem um arranhão.

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