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Mostrando postagens de 2024

Sísifo Sósifu

Todos os dias leva a gigantesca pedra morro acima, pra depois correr atrás dela, que rola pesadamente morro abaixo. E repete o movimento infinitamente por eras e eras. Até parece o sujeito que trabalha por gerações e gerações, sem ver ganho algum a não ser o do pão de cada dia. O maldito mundo moderno é igualzinho o antigo. Os sísifos da vida só se fodem. Anos de labuta são desvalorizados e demolidos pela rédea vigente. O anonimato é tratado como crime. Ser ou não ser nunca foi a questão. Querem que seja, não importa o quê. Apareça, fazendo sentido ou não. E a Terra só gira devido aos escondidos, aqueles que não têm holofotes. A imensa maioria global, que é realmente muito mais importante do que os nomes que aparecem nas telas. As personagens “célebres” fazem parte de uma ficção que entretém a massa. Só servem pra isso. Os verdadeiros senhores são os escravos.

Erupção Macarrônica

De ressaca. Acorda cedo. Não consegue dormir. Tem um pouco de fome. Há miojo no armário. Pega três pacotes. Bota pra ferver. Apronta o prato e despeja a flácida massa inerte. Coloca os temperos industriais. Começa a comer. O miojo está quente, muito quente. Toma um gole de refrigerante. Dá mais umas garfadas. Engole mais uma porção pastosa incrementada, cujo sabor não é especial, nem comum, é ruim mesmo. Dá um arroto. Percebe algo dentro de si. Há uma fermentação, uma borbulhação. Sua barriga começa a tremer. Um grito agônico surge de suas entranhas. Algo acontece visceralmente, literalmente falando. O miojo sobe. Volta. Erupção macarrônica. Sente o gosto do alimento mastigado e regurgitado. Vomita uma bolota espessa. Peraí. Vem mais. Agora é um jorro esbranquiçado que voa pela sala. O chão está branco e pastoso. No tapete há uma poça gosmenta com alguns resquícios de miojo não digerido. Terceira leva. Sobe rapidamente. Queima por dentro. Desta vez sai pela boca e pelo nariz....

Estatuto da Estultice

As estátuas ornam o palácio palerma. Nele está escrito o estatuto onde os sábios estultos gravaram suas normas. Onde é imposto o cotidiano vivido por cada mortal. A roda gira sempre pro mesmo lugar. Fabricam-se coisas, destroem-se outras. O camundongo segue a rotina e nunca abandona suas regras. Se questionar, o estoico tempo o estraçalha. A paz reina no estático. Estrategicamente, os estudiosos estultos constroem a civilização. Seus regulamentos são perfeitos, não têm erro. Também não têm profundidade ou sentido. São retos e lisos, como o chão de um banheiro. A estupidez é a meta. A vida é o alvo. Os estultos calculam eternamente. Cálculos infinitos. Eles nos dão as razões e nos dizem o que fazer. Números que pavimentam a estrada e acimentam as cidades. Algozes algoritmos mandam e desmandam. Os estultos estão contentes.        

Pra quê fazer o quê?

Os sentidos vão se esvaindo, a verdade vai se esquivando. As palavras perdem os significados (já tiveram?). O mundo torna-se cada vez mais inóspito. Um clima hostil paira no ar. Qual é o motivo de fazer qualquer coisa? Tudo vai ao término e não há nem um pouquinho de diversão. A chatice desvairada impregna a rotina das notícias. O ambiente fica cada vez mais cinza, tomado por politicagens, atrocidades e niilismo qualitativo. Não há sensação de importância, urgência ou sanidade. Tudo acontece o tempo todo e nada acontece ao mesmo tempo. Qual é o objetivo? A matéria é composta de partículas sem sal, nem açúcar, nem qualquer aparência de continuidade ou valor existencial. A vida grasna, rosna, solta gases que infestam o universo; e mesmo assim, não há resposta alguma às perguntas mais banais. As certezas vão quebrando, esfarelando, derretendo. As antigas bases da humanidade mostram-se impotentes e desesperadas. O caos vem pra ficar. Por isso que não há razão. A racionalidade leva ...

Cu do Saco

Não há nada de novo. O tédio domina a existência enquanto o mundo pulsa e treme. Ao redor de tudo há uma aura de mesmice, é assim que Aurélio enxerga o cotidiano. Ele pensa nisso o tempo todo. O sistema é feito pra esmagar os homens com a pesada roda do enfado. Ela, que dá voltas e voltas completando eternamente o círculo monótono que vai do átomo ao buraco negro. Estranho ciclo esse que desilude o ser humano e o envia direto ao moedor de carne. Haverá algo suspeito por trás disso? Uma trama secreta? Seres intergalácticos? Forças misteriosas que controlam a vontade de Aurélio? Enquanto matuta, ele caminha pela larga calçada da avenida. Já tem meia hora de caminhada, passou muito rápido, como um borrão em forma de pensamento. Ao mesmo tempo que reflete, esquece-se do que pensou cinco minutos antes, isso se dá pela velocidade supersônica de seus devaneios. Quando a mente está inquieta, nem percebemos o tempo que passa batido. Andou e andou até que chegou a um cul-de-sac. Cu de sa...

Lombrigadeiro

Joaquim tava numa festinha de aniversário de criança. Não tinha nada de especial e o tédio era forte. Resolveu se empanturrar de brigadeiro. Até que tava bom. Comeu uns 15 brigadeiros e ficou meio estufado. Depois da festa, foi logo dormir. Teve pesadelos e suou a noite inteira. Os sonhos tinham temas sombrios e sufocantes. Numa hora estava numa festa infernal, cheia de diabinhos e dragões; noutra, encontrava-se cercado por sujeitos mal-encarados que queriam decapitá-lo a qualquer custo. Acordava berrando baixinho. Sua mulher nem percebia e continuava dormindo sossegadamente. Segunda de manhã foi trabalhar exausto. Parecia que não tinha dormido nada, e não tinha mesmo. Depois da noite sofrida, do sono entrecortado, só restou uma lembrança de um homem. Tava mais pra morto-vivo, com olheiras gigantescas, a pele ressecada, o bafo apodrecido e a mente enevoada. Na repartição era mais um começo de semana torturante, com a mais cruel das rotinas mostrando os dentes afiados num sorr...

Bênção de Tonto

A Terceira Onda veio com tudo. Com todo seu poder, infestou a Terra. Desde a Bênção do Tonto, Que pintam e bordam. Espalhando mentiras por todos os cantos. Adoram uma glossolalia sacana. As línguas enrolam-se sobre tudo. Englobam glebas e glandes. Genitalizam, gentrificam. Sacodem debaixo das saias e dos ternos. Apenas os outros são os infernos. São internacionais, mundiais e universais. Banalizam todas as atitudes boçais. Óóó, Reinos de Bosta, Lagoinhas de Merda e Bolas de Fezes! Tanto dinheiro, tanto poder e nenhuma honestidade. Óóó, Igrejas Ignominiosas, Templos Traiçoeiros e Cultos Culpados! Amam o absurdo, a desgraça e a calamidade. A ganância faz a fé.

O Pândego Árdego

O pândego árdego anda pelas calçadas da vida a assoviar os dramas e alegrias do dia a dia. É voraz em sua autenticidade. Não se satisfaz com meio-termo. Gosta é de quantidade, mais do que qualidade. Velozmente conduz seu inquieto corpanzil em meio aos transeuntes. Trançando um caminho inadequado e ideal. Atrapalhando mentes distraídas e fascinando pessoas crédulas e ordinárias. Tropeça muitas vezes, mas nunca cai. Seu equilíbrio é paranormal. A força invisível estraçalha o ar com sua motivação indestrutível.   O pândego árdego ri em estribilhos. Comunica-se freneticamente e de forma gutural. Enfurece-se com dificuldade, pois sua paciência é epopeica. Incansável é a sua normalidade. Impossível, sua monotonia. A missão a que se dispõe é uma das mais difíceis da Terra. Acabar com as mesmices do cinzento cotidiano contemporâneo. E ser imensamente profundo ao mesmíssimo tempo.   O pândego árdego não quer avacalhar, nem agradar. Quer existir de alguma f...

Psicastenia Dissoluta

Ao mesmo tempo que você é condenado por xingar uma pessoa, você é congratulado por massacrar centenas de homens, mulheres e crianças. Isso só pode significar uma coisa: nenhuma lei faz sentido e justiça é apenas um sentimento irreal, teatral. O ser humano é totalmente animal. Comer, ter crias, destruir as ameaças à existência. Toda sensação de paz é momentânea. A frivolidade da vida é constante no Universo. Não há salvação. A morte vem sempre pegar no seu pé e te arrastar pro Vazio. Qualquer busca de lógica é perdida mediante o Acaso. A segurança tem o sabor e a duração de uma mordidela em uma paçoca bem doce. É completamente risível e trágico esse raciocínio banal e demente. Os passos em direção à resposta são intermináveis e repetitivos. Até que que você para e perde a competição que nunca foi ganha. Dois oponentes: o ser e os fatos. Eles sempre saem vitoriosos. Na eterna batalha, nunca capitularam. Infindável estado de Psicastenia Dissoluta em que a realidade mos...

Merdorato

O pastor da igreja de Manoel disse que ele precisava comprar aquele amendoim. Se ele não comprasse, Jesus iria difamá-lo aos Céus e chamaria o Diabo pra lhe enfiar o dedo no rabo. Manoel ficou tremendo de medo e afirmou ao Pastor Jonas que compraria o amendoim o mais rápido possível. O famigerado pastor deu um risinho e lambeu os beiços. Manoel agradeceu e despediu-se. Agora Manoel encontrava-se no metrô a loucamente vasculhar no seu celular. Procurava no Google, onde poderia obter o tal amendoim milagroso. VENDIDO EM TODOS OS SUPERMERCADOS, dizia o letreiro chamativo anunciado pelo Google e patrocinado por numerosos rostos de celebridades. Maravilha!, pensou Manoel. Iria entrar no primeiro supermercado no caminho de casa. Desceu do metrô e lembrou-se das palavras de Pastor Jonas: “Cura hemorroidas”, “Dá sensação de prazer”, “É levemente salgado e doce ao mesmo tempo”, “Um elixir contra a impotência!” Entrou no SuperMercado do Vovozinho e foi logo na prateleira dos aperit...

Se o Toba Explodir, o Mundo Acaba

O Toba explodiu. Há 75 mil anos. Quase acabou com a humanidade, dizem os especialistas. Sua erupção causou um estrondo que foi reverberado por todo o globo. Populações foram dizimadas, florestas foram devastadas, animais foram extinguidos, mares foram atormentados, continentes foram balançados, ilhas foram afundadas... Mas, mesmo assim, o homem prevaleceu. Restaram 10 mil pessoas. Elas treparam e se multiplicaram. O resultado somos nós. O supervulcão deu uma lição ao homo sapiens. Lição que ficou marcada na história. Na história da pré-história... É tão antiga que já esqueceram... A catástrofe sumária veio de Sumatra. A ilha agora comporta a placidez do Toba adormecido. Mas não por muito tempo, segundo alguns cientistas. O lago, que cobre o supervulcão, borbulha ferozmente, indicando alguma perturbação iminente. Talvez o Toba esteja incomodado com o tanto de gente que vive na Terra. Tanto esse proveniente do renascimento originado diretamente de sua ação. A humanidade colapsa o...

Se os insetos pensam, matar uma formiga seria um assassinato?

Hoje eu descobri que os insetos pensam. Uma ideia muito ampla para refletir. O universo se multiplica infinitamente com esse conceito. Se os insetos pensam, matar uma formiga seria um assassinato? Se sim, somos assassinos desde a mais tenra infância. O mandamento “Não Matarás” ainda vale alguma coisa? Matar uma formiga por matar. Não pra comer, afinal, quem come formiga, ou barata, ou mosca? Assassinato sem motivo. Imagine quando dedetizamos a casa... Assassinato em massa, massacre, holocausto... A tal da vida é composta por inúmeros assassinatos, matanças e hecatombes. Se houver um julgamento pós-vida, todo mundo é culpado, ninguém vai pro céu... Até o mais pudico vegano já matou uma formiguinha na solidão de um quarto escuro. Todo mundo é culpado. Isso dá um nó no nosso cérebro e um gosto amargo na garganta. Ou todo mundo é culpado, ou ninguém é culpado. Ou há crime, ou não há crime. Não existe meio-termo. Isso meio que prova que a justiça é uma ilusão. A reparação pelo mal com...

Quem Mexeu no Meu Saco?

Dois ratos, esquecidos pela humanidade, vagam pelos cantos sujos da cidade grande. À procura de uma pedra de crack ou, ao menos, uma dose de cachaça, andam desvairados, submersos num pânico constante; trêmulos, palpitantes, cambaleantes. A rua parece um labirinto, cheio de obstáculos mortais. De um lado, um policial, com um cassetete girando eternamente em busca de um crânio perdido. Do outro lado há mais viciados, ávidos por dinheiro fácil, com sangue fervente. A madrugada chega. As sirenes tocam. Fumaça de tiros. Barulho de gritos. Os dois ratos tentam achar um lugar pra dormir. O primeiro rato é mais otimista, acha que sairão dessa e encontrarão uma gigantesca pedra de crack, prontinha pra ser fumada. O segundo rato já é mais pessimista, pensa que a qualquer instante terá sua cabeça estourada por um guarda municipal espumando de ódio. Não há lugar seguro. Quase todos os locais estão ocupados por outros noias. Ruas e mais ruas, extremamente fétidas, permanentemente perigosas. Nada po...

Acontecido na Roça

Só sei que João viu o disco voador. Tava na casa dele, lá em Mata-Touros, cidadezinha do interior mineiro. Morava num sítio, perto da fazenda do Seu Antonio, que não jogava conversa fora e era bem brabo. João tinha acabado de consertar uma cerca pra Seu Antonio (geralmente fazia pequenos serviços pro fazendeiro a troco de um trocado...). Pegou a enxada e o martelo, botou os instrumentos nas costas e começou a caminhar. Já era noitinha e João tava com uma fome danada, iria jantar aquele típico franguinho na panela que Dona Jocinda fazia tão bem. Ouviu seu estômago roncar alto. Lá pelo meio da andança, João ouviu um barulho que era tipo um zunido; parecia uma vespa tresloucada. Com medo de marimbondo, ele logo apertou o passo. Até que o zumbido ficou mais forte, estava bem próximo. O sitiante percebeu que o barulho não vinha dos lados, nem detrás e sim de cima. Olhou pro alto e viu um negócio que nunca tinha visto. Era uma coisa redonda e preta, que assemelhava-se a um pneu de caminhão g...