Lombrigadeiro

Joaquim tava numa festinha de aniversário de criança. Não tinha nada de especial e o tédio era forte. Resolveu se empanturrar de brigadeiro. Até que tava bom.

Comeu uns 15 brigadeiros e ficou meio estufado. Depois da festa, foi logo dormir.

Teve pesadelos e suou a noite inteira. Os sonhos tinham temas sombrios e sufocantes. Numa hora estava numa festa infernal, cheia de diabinhos e dragões; noutra, encontrava-se cercado por sujeitos mal-encarados que queriam decapitá-lo a qualquer custo.

Acordava berrando baixinho. Sua mulher nem percebia e continuava dormindo sossegadamente.

Segunda de manhã foi trabalhar exausto. Parecia que não tinha dormido nada, e não tinha mesmo. Depois da noite sofrida, do sono entrecortado, só restou uma lembrança de um homem. Tava mais pra morto-vivo, com olheiras gigantescas, a pele ressecada, o bafo apodrecido e a mente enevoada.

Na repartição era mais um começo de semana torturante, com a mais cruel das rotinas mostrando os dentes afiados num sorriso delirante. Joaquim bocejava e não conseguia fechar a boca. O maxilar travava, numa câimbra monstruosa, denunciando o seu cansaço descomunal e desumano.  

Os dias foram passando e Joaquim continuava com um mal-estar persistente. Não conseguia trabalhar direito e seu chefe o olhava de soslaio com um desprezo indisfarçável. Todos achavam que ele era um bêbado em contínua ressaca. Ficou com essa fama, mas era só dor de barriga mesmo. Quem dera fosse bebida...

Na sexta-feira, Joaquim foi deitar lá pelas 10. Não conseguia dormir, como no resto da semana. Às vezes adormecia levemente e era logo acordado pelo transtorno que sentia nas entranhas. Não conseguia entender, parecia uma revolução visceral. Seu abdômen contorcia-se violentamente, como se houvesse alguma coisa, ou algumas coisas em seu ventre.

Tentou dormir novamente. Já eram 3 da manhã. Passou pro sono e alguns minutos depois despertou dramaticamente. Sentia um aperto anal. Parecia que algo queria rasgar seu cu, por dentro. Era uma comichão que transformava-se em uma dor lancinante. De repente, sentiu momentâneo alívio, aquele algo, ou aquilo, ou sei lá o quê, havia saído.

Seus olhos continuavam fechados e sua pele experimentava um toque de viscosidade. Começou lá pela bunda, passou pelas costas (já que ele tava de bruços) e foi chegar na nuca. Era uma sensação melada, como se um macarrão cremoso estivesse andando por seu corpo. Até que era gostoso.

Subitamente, o quase prazer acabou. Seu pescoço estava sendo apertado, esganado. Joaquim abriu os olhos e viu algo que nunca tinha lhe passado pela cabeça. Era um verme de uns 30 centímetros, que havia enrolado freneticamente em seu pescoço. Um verme vivíssimo, pálido e sujo.

O ser emitia um sonzinho baixo, como se fosse um ganido e apertava cada vez mais forte. O coitado do Joaquim não conseguia respirar, nem gritar. Sua mulher ainda dormia tranquilamente, logo ali, ao seu lado.

O verme o olhava descaradamente, com um sorriso maligno, se é que verme podia sorrir, ou olhar... Mas era assim mesmo. Na loucura da situação, Joaquim enxergava cara e feição no bicho. Podia distinguir uns fios de cabelo, alguns traços de fezes e, por incrível que pareça, granulados de chocolate bem no topo da cabeça do verme.

Uma lombriga gigante que originou-se dos malditos brigadeiros, da maldita festinha de aniversário. Um ser mutante, uma nova espécie, um monstro! Lombrigadeiro!

Nesse momento, Lombrigadeiro deu uma risadinha e apertou mais uma vez, fazendo Joaquim cair num sono profundo, indespertável.

 

 

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